Relógio e alimentos saudáveis dispostos num fundo branco
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O que é a Crononutrição e como funciona?

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O que é a Crononutrição e como funciona?

A crononutrição é uma área emergente da ciência que estuda a interação entre o relógio biológico interno — o chamado ritmo circadiano — e o momento das refeições, procurando compreender de que forma o horário em que comemos influencia a saúde, o metabolismo, o sono e o risco de doenças crónicas.

Esta abordagem rompe com o paradigma tradicional da nutrição, centrado apenas na qualidade e quantidade dos alimentos, ao demonstrar que o "quando comemos" é tão determinante para o equilíbrio energético e metabólico como o que comemos1,2.

Ritmos circadianos: o relógio interno do corpo

O corpo humano é regulado por ciclos biológicos diários — os ritmos circadianos — que coordenam funções essenciais como a secreção hormonal, o sono, a temperatura corporal, a digestão e o metabolismo. Estes ritmos são controlados por um relógio central localizado no hipotálamo, que responde sobretudo à luz, e por relógios periféricos presentes em tecidos como o fígado, pâncreas, intestino e tecido adiposo1,3.

A alimentação, o sono e a atividade física são também sinais ambientais importantes (os chamados zeitgebers) que podem reforçar ou desajustar esses ritmos, dependendo de estarem em harmonia ou em conflito4.

A desregulação destes ciclos — conhecida como cronodisrupção — ocorre, por exemplo, em situações de jet lag, trabalho por turnos ou refeições tardias, e está associada a um risco aumentado de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e até certos tipos de cancro2,4,5.

A crononutrição em foco

A crononutrição parte do princípio de que o nosso metabolismo não responde da mesma forma aos alimentos ao longo do dia: o corpo tem momentos ideais para digerir, absorver e metabolizar os nutrientes. Por exemplo, a tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina são mais elevadas de manhã, e diminuem à medida que o dia avança. O mesmo acontece com o metabolismo das gorduras e com a termogénese induzida pela dieta2,5.

Vários estudos clínicos mostram que consumir a maior parte das calorias no início do dia melhora o controlo glicémico, promove a sensação de saciedade e facilita a perda de peso. Por outro lado, um padrão alimentar invertido — em que se come mais ao final do dia — pode levar à resistência à insulina, à acumulação de gordura e a uma desregulação do apetite3,4,6.

Além disso, fazer refeições tardias está associado a alterações negativas no perfil lipídico, aumento da pressão arterial, maior acumulação de gordura abdominal e pior controlo glicémico, mesmo quando a ingestão calórica se mantém constante7.

Alimentação com restrição de tempo: comer dentro de janelas horárias

Uma das estratégias mais estudadas no âmbito da crononutrição é a alimentação com restrição de tempo (Time-Restricted Eating, ou TRE) — uma forma de jejum intermitente em que se concentra a ingestão alimentar numa janela diária de tempo (por exemplo, 8 a 10 horas), mantendo um jejum prolongado de 14 a 16 horas4,8.

Uma revisão sistemática recente, que analisou 23 estudos clínicos em humanos, concluiu que a alimentação com restrição de tempo:

● Reduz a massa gorda e o peso corporal;
● Melhora os níveis de glicose, insulina e colesterol;
● Diminui a inflamação sistémica;
● Traz benefícios que vão além da simples restrição calórica, sugerindo um efeito associado ao realinhamento dos ritmos circadianos8.

Adicionalmente, variantes como o early-TRE (com refeições nas primeiras horas do dia) mostraram resultados superiores ao late-TRE (refeições mais tardias), mesmo com ingestão calórica semelhante4.

Cronótipo: matutino (“cotovias”) ou vespertinos (“corujas”)?

O cronótipo é a predisposição natural de cada pessoa para ser mais ativa em determinadas alturas do dia.

Quem tem um cronótipo matutino — as “cotovias” — tende a acordar cedo, comer mais cedo e ter um sono mais regular. Já os cronótipos vespertinos — ou “corujas” — preferem horários tardios, costumam adiar a primeira refeição do dia, saltar o pequeno-almoço e consumir a maior parte das calorias ao final do dia2,7.

Estudos associam o cronótipo vespertino a um risco mais elevado de obesidade, resistência à insulina, hipertensão e cancro. Uma revisão recente encontrou uma relação entre este cronótipo, padrões alimentares desajustados e um maior risco de tumores como os da mama, endométrio e próstata9.

Crononutrição e sono: uma via de dois sentidos

O horário das refeições influencia diretamente a produção de melatonina, a hormona que regula o sono. Comer tarde, sobretudo refeições ricas em gordura ou açúcar, pode dificultar o adormecer e comprometer a qualidade do sono2.

Por outro lado, uma noite mal dormida desregula o apetite, o interferir com as hormonas leptina e grelina, levando a escolhas alimentares menos saudáveis e a um aumento da ingestão calórica2,3.

Alinhar o sono com a alimentação, através de padrões como a alimentação com restrição de tempo, tem demonstrado benefícios tanto para o metabolismo como para a qualidade do descanso noturno5.

Sequência dos alimentos e impacto no metabolismo

Para além do horário das refeições, a ordem em que ingerimos os alimentos também influencia a resposta metabólica.

Estudos demonstram que começar a refeição com vegetais ou proteínas, e só depois ingerir os hidratos de carbono, reduz o pico de glicemia após a refeição e diminui a necessidade de libertação de insulina7.

Aplicações práticas e recomendações sobre Crononutrição

A crononutrição tem um enorme potencial na prevenção e tratamento de várias condições de saúde, como obesidade, síndrome metabólica, diabetes tipo 2, distúrbios do sono, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro.

Algumas estratégias simples, eficazes e sustentadas por evidência científica incluem:

● Tomar um pequeno-almoço completo e equilibrado;
● Evitar refeições pesadas ou calóricas ao jantar ou durante a noite;
● Manter horários regulares para as refeições, garantindo um jejum noturno de, pelo menos, 12 horas;
● Começar as refeições com alimentos ricos em fibra ou proteína, deixando os hidratos de carbono para o fim;
● Reduzir a exposição à luz artificial e aos ecrãs à noite;
● Ajustar os horários das refeições de acordo com o cronótipo de cada pessoa.

Comer em sintonia com os ritmos biológicos

A crononutrição convida-nos a redescobrir o papel do tempo na forma como nos alimentamos. Comer em sintonia com os ritmos naturais do corpo é determinante para a nossa saúde.

Alinhar o relógio do prato com o relógio do corpo é uma estratégia promissora para promover saúde, prevenir doenças e restaurar o equilíbrio metabólico. Como diz o velho ditado, agora validado pela ciência: “Pequeno-almoço de rei, almoço de príncipe e jantar de pobre.”

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Referências:

1. de Oliveira Melo NC, Cuevas-Sierra A, Souto VF, Martínez JA. Biological Rhythms, Chrono-Nutrition, and Gut Microbiota: Epigenomics Insights for Precision Nutrition and Metabolic Health. Biomolecules. 2024 May 6;14(5):559. doi: 10.3390/biom14050559. PMID: 38785965; PMCID: PMC11117887.
2. Saidi O, Rochette E, Dambel L, St-Onge MP, Duché P. Chrono-nutrition and sleep: lessons from the temporal feature of eating patterns in human studies - A systematic scoping review. Sleep Med Rev. 2024 Aug;76:101953. doi: 10.1016/j.smrv.2024.101953. Epub 2024 May 18. PMID: 38788519; PMCID: PMC12090848.
3. Drăgoi CM, et al. Circadian Rhythms, Chrononutrition, Physical Training, and Redox Homeostasis-Molecular Mechanisms in Human Health. Cells. 2024 Jan 11;13(2):138. doi: 10.3390/cells13020138. PMID: 38247830; PMCID: PMC10814043.
4. Ahluwalia MK. Chrononutrition-When We Eat Is of the Essence in Tackling Obesity. Nutrients. 2022 Nov 29;14(23):5080. doi: 10.3390/nu14235080. PMID: 36501110; PMCID: PMC9739590.
5. Franzago M, Alessandrelli E, Notarangelo S, Stuppia L, Vitacolonna E. Chrono-Nutrition: Circadian Rhythm and Personalized Nutrition. Int J Mol Sci. 2023 Jan 29;24(3):2571. doi: 10.3390/ijms24032571. PMID: 36768893; PMCID: PMC9916946.
6. Adafer R, et al. Food Timing, Circadian Rhythm and Chrononutrition: A Systematic Review of Time-Restricted Eating's Effects on Human Health. Nutrients. 2020 Dec 8;12(12):3770. doi: 10.3390/nu12123770. PMID: 33302500; PMCID: PMC7763532.
7. López-Prieto RS, Romo-Romo A, Gómez-Avilés P, Sharma-Sharma S, Costilla-Orozco X, Galán-Ramírez GA, Almeda-Valdés P. Time matters: an insight into the relationship between chrononutrition and diabetes. Rev Invest Clin. 2024 Apr 3;76(2):080-090. doi: 10.24875/RIC.23000271. PMID: 38569523.
8. Adafer R, et al. Food Timing, Circadian Rhythm and Chrononutrition: A Systematic Review of Time-Restricted Eating's Effects on Human Health. Nutrients. 2020 Dec 8;12(12):3770. doi: 10.3390/nu12123770. PMID: 33302500; PMCID: PMC7763532.
9. Godos J, et al. Chronotype and Cancer: Emerging Relation Between Chrononutrition and Oncology from Human Studies. Nutrients. 2025 Jan 31;17(3):529. doi: 10.3390/nu17030529. PMID: 39940387; PMCID: PMC11819666.

Aviso legal:
Este artigo não tem a intenção de diagnosticar, tratar ou substituir aconselhamento médico sendo o seu conteúdo apenas para fins informativos. Consulta um médico ou profissional de saúde sobre qualquer diagnóstico médico relacionado com a tua saúde ou mesmo eventuais opções de tratamento. As afirmações feitas sobre produtos específicos neste artigo não são aprovadas para diagnosticar, tratar, curar ou prevenir doenças.

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